“So What”, uma das peças mais icónicas do álbum “Kind of Blue” (1959) de Miles Davis, é um marco na história do jazz. A sua simplicidade aparente esconde uma riqueza de nuances e possibilidades exploratórias que a torna fascinante para músicos e ouvintes há décadas.
Uma Revolução Harmônica:
Antes de mergulharmos nas profundezas da melodia de “So What”, é crucial contextualizar a época em que esta obra-prima foi concebida. O final dos anos cinquenta viu o jazz a passar por uma profunda transformação. Os padrões harmónicos tradicionais estavam a ser questionados, dando lugar a novas formas de expressão musical.
Miles Davis, um inovador constante e visionário, liderava essa mudança com o seu sexteto. “Kind of Blue” foi concebido como uma exploração da improvisação livre dentro de estruturas harmónicas simples, o que era radical para a época. A peça “So What” personifica esta abordagem revolucionária.
Em vez da progressão harmónica típica de doze barras presente em muitos padrões de jazz, “So What” utiliza apenas dois acordes – D doriano e Eb dórico – repetidos ao longo de toda a composição. Esta simplicidade harmónica cria um espaço infinito para a improvisação, permitindo que os músicos explorem melodias, ritmos e texturas complexas dentro da estrutura mínima.
A Orquestração Minimalista:
O arranjo de “So What” é tão minimalista quanto a sua estrutura harmónica. Miles Davis utiliza apenas o som puro dos instrumentos – trompete, saxofone tenor, piano, contrabaixo e bateria – sem qualquer ornamentação adicional. A ausência de orquestrações complexas e arranjos densos destaca a beleza da improvisação individual e da interação entre os músicos.
A Magia da Improvisação:
O ponto forte de “So What” reside na sua improvisação libertadora. Cada músico do sexteto tem a oportunidade de expressar a sua personalidade musical dentro dos limites dos dois acordes. A melodia inicial, simples e direta, serve como ponto de partida para uma jornada sonora inesquecível.
John Coltrane, com o seu saxofone tenor rico em emoção, explora escalas complexas e frases melódicas inovadoras. Cannonball Adderley, com a sua sonoridade mais tradicional, adiciona um toque de alegria e swing à improvisação. Miles Davis, com a sua trompete inconfundível, tece melodias sutis e evocativas que convidam o ouvinte a mergulhar na atmosfera melancólica da peça.
Influências Históricas:
É importante reconhecer as influências históricas que moldaram “So What” e o movimento musical mais amplo do qual faz parte. O jazz modal, como se tornou conhecido este estilo inovador, deve muito ao trabalho de compositores como Debussy e Ravel, cujas obras exploravam escalas modais em vez de progressões harmónicas tradicionais.
O Legado de “So What”:
A influência de “So What” no mundo da música é inegável. A peça abriu caminho para uma nova era de improvisação livre e experimentação harmónica no jazz, inspirando gerações de músicos a explorar novos horizontes sonoros.
“So What” continua a ser uma peça vital e relevante hoje em dia. A sua simplicidade aparente esconde uma profundidade musical que desafia o ouvinte a explorar a beleza da improvisação livre e a força da comunicação musical entre os músicos. Uma experiência sonora inesquecível que transcende o tempo.